Texto da contracapa de “Risíveis Amores”, livro de Milan Kundera: “Mas o engano, que se inicia como brincadeira, mostra como, na realidade, o autoengano governa todos os aspectos da vida”. Somos completamente suscetíveis a nos iludir em nossos atos e, lamentavelmente, levamos esse padrão pouco consciente no decorrer de nossa jornada.
Imagine-se todos os dias em uma rotina robótica, em que todos os passos são cronometrados – não será isso, então, a mais pura verdade?! Um engano confortável! O seu “mundo” torna-se uma esfera limitada pelo trabalho, um ou outro ambiente distinto e a sua casa, onde a cama o espera, completamente adaptada para os seus padrões “corretos” e “seguros”.
Ao levar sua existência como uma linha reta, a vida (esta criança esperta e maliciosa) faz um pequeno nó… e todas as ações conspiram e interagem para atiçar a sua coragem de conhecer algo novo, o que está ligado diretamente, enraizado na mente humana, ao ato de viajar. Receio? Um abismo! Dúvidas? Milhares! Mas algo diferente suplanta tudo isso: o entusiasmo faz seus pensamentos latejarem. E, mesmo com todas as angústias na bagagem, você inicia sua viagem!
Quando desembarquei do ônibus que me levou até o centro de Madrid, em minha primeira viagem internacional, meu autoengano foi destruído: o mundo era muito maior do que aquilo que estava ao “redor do meu umbigo”. O aspecto infantil era visível: eu olhava as placas, prestava atenção em todas as pessoas, nos automóveis, ruas, vitrines, e meu cérebro começou a trabalhar exageradamente. Somos “programados” para nos acostumar com rotinas, como andar de bicicleta e dirigir um carro, mas, ao levar novas informações e imagens para a mente (que impõe as regras, modifica, organiza e se adapta), ela quebra o padrão para novos processos. Então, você se transforma!
Para descansar de tamanha sobrecarga cultural, os grandes centros dispõem de parques, no meio do caos urbano, de uma beleza e paz incomparáveis. Já que mencionei Madrid, a cidade oferece o majestoso Parque del Retiro, criado entre 1630 e 1640, com uma área de 118 hectares. É a área verde mais simbólica da capital da Espanha. Entre as inúmeras atrações, há o conhecido Passeo de las Esculturas, uma grande alameda rodeada por doze estátuas dedicadas aos reis espanhóis, ricamente florida na primavera. O Monumento a Affonso XII, localizado em um lago artificial em que se pode alugar barquinhos para navegar, é um dos pontos favoritos dos turistas, assim como o Palácio de Cristal.
Apesar de contemplar dezenas de imagens icônicas do parque, uma não sairá facilmente de suas lembranças: uma escultura, em uma fonte, alvo de uma polêmica desde 1885, quando foi concebida por Ricardo Bellver. O que a torna incomum? O Anjo Caído é um dos poucos monumentos dedicados exclusivamente a Lúcifer no mundo. Feita em bronze, sua inspiração veio dos versos do “Paraíso Perdido”, de John Milton, que retrata o momento em que o anjo é expulso do céu e é atirado ao inferno. Para acompanhá-lo, a serpente enrolada em seu corpo é a mesma que tentará Eva e… espere um momento! Uma estátua dedicada a Lúcifer?! Sim… e cuidado com o autoengano! Vá viajar!